sexta-feira, março 27, 2015

IMAGINÁRIO #550

José de Matos-Cruz | 08 Fevereiro 2016 | Edição Kafre | Ano XII – Semanal – Fundado em 2004

PRONTUÁRiO

EXPANSÕES

Além das peripécias aventurescas que popularizaram os paladinos juvenis, através de gerações, a escola franco-belga adquiriu maturidade por distintas vertentes, em que se virtualizam outros horizontes do imaginário. Assim contribuíram artistas como François Bourgeon - cuja inspiração histórica culminaria com Os Companheiros do Crepúsculo ou Os Passageiros do Vento. Em 1993, estas séries tiveram uma fascinante alternativa, com a apresentação de A FOnte da SOnda - iniciando a saga fantástica O Ciclo de Cyann, graças à colaboração entre Bourgeon e o argumentista Claude Lacroix. A revelação deste épico impressionante, sensual, prosseguiria, depois, com Seis Estações em IlФ - mais um estranho planeta onde a indómita Cyann buscará o precioso antídoto, para as terríveis febres amarelas que vitimam o seu povo, num outro mundo a anos-luz de distância… Imprevisível, surpreendente, tal jornada heróica - sob meticulosa concepção / exploração por Bourgeon & Lacroix - simboliza, também, a aprendizagem íntima e afectiva, de uma mulher em resgate da própria humanidade.


CALENDÁRiO

¸1930-07JAN2015 - Rodney Sturt Taylor, aliás Rod Taylor: Actor australiano de cinema e televisão, radicado nos EUA, protagonista de Os Pássaros / The Birds (1963 - Alfred Hitchcock) - «Foi um grande companheiro, e tornou-se um enorme apoio para mim. Éramos muito, muito bons amigos» (Tippi Hedren). IMAG.429-500

07JAN2015 - Em Paris, durante um ataque terrorista às instalações do jornal satírico Charlie Hebdo, por dois homens armados, conotados ao extremismo islâmico, morrem doze pessoas, entre as quais cinco artistas/ilustradores - Stéphane Charbonnier/Charb (director - n. 1967), Bernard Verlhac /Tignous (n. 1957), Philippe Honoré (n. 1941), Jean Cabut/Cabu (n. 1938) e Georges Wolinski (n. 1934). IMAG.499

MEMÓRiA

¨1920-11FEV1986 - Frank Herbert: Escritor americano de ficção científica, autor de Dune / Duna (1963-65) - «O homem é um idiota em não dar tudo de si, sempre, no acto de criação. Alguém escreve algo num papel. Não está a destruir, está a plantar uma semente. Então, não tem que se preocupar com inspiração, ou qualquer coisa no género. É apenas uma questão de se sentar e de pôr-se a trabalhar. Eu nunca tive problemas por escrever, apenas, um parágrafo. Fala-se muito nisso. Pela minha parte, havia dias em que me sentia relutante em escrever, ou às vezes durante semanas inteiras, outras até mais tempo. Então, preferiria muito mais pescar, por exemplo, ou pôr-me a afiar lápis, ou ia nadar, ou… Por que não? Mas, depois, voltando à leitura do que havia produzido, era incapaz de distinguir entre o que me ocorreu facilmente e o que elaborei, sentando-me e decidindo: “Bem, chegou a hora de escrever, e é isso que agora vou fazer”. Não havia diferença entre uma coisa e outra que registei no papel». IMAG.111-462

¸11FEV1926-2010 - Leslie William Nielsen, aliás Leslie Nielsen: Actor canadense - «A violência nas comédias ao estilo vaudeville corresponde a uma técnica muito própria; assumimo-la, estamos a fazer algo específico… Isto é, fazemos o público rir».IMAG.333

¨12FEV1856-1931 - Henrique Lopes de Mendonça: Ficcionista, poeta, dramaturgo e cronista português - «Mulher que anda no paço há de ter embaraço. / Se o crédulo marido ignorava este adágio, / Que se queixe de si, quando vir o naufrágio / Que lhe escangalha o lar.» (A Morta - 1890). IMAG. 87-258-336

¨13FEV1906-1994 - Agostinho da Silva: Filósofo, ensaísta e pedagogo português - «Quem pretende servir os homens tem aí a melhor dádiva a fazer-lhes: a de se manter sem desvio nas épocas piores, quando todos os outros recorreram ao subterfúgio e a todos cegou a mesma escuridão de um mal presente» (Considerações - excerto). IMAG.20-71-144-158-461

1910-14FEV1996 - Fernando Carvalho Trindade Bento, aliás Fernando Bento: Ilustrador, figurinista, pintor, autor de banda desenhada - transpôs As Mil e Uma Noites de Adolfo Simões Muller, e colaborou no Cavaleiro Andante a partir de 1952.IMAG.257-299-307-328-367-533                

VISTORiA     

O Povo Culto
¨Os povos serão cultos na medida em que entre eles crescer o número dos que se negam a aceitar qualquer benefício dos que podem; dos que se mantêm sempre vigilantes em defesa dos oprimidos não porque tenham este ou aquele credo político, mas por isso mesmo, porque são oprimidos e neles se quebram as leis da Humanidade e da razão; dos que se levantam, sinceros e corajosos, ante as ordens injustas, não também porque saem de um dos campos em luta, mas por serem injustas; dos que acima de tudo defendem o direito de pensar e de ser digno.
Agostinho da Silva
- Diário de Alcestes (excerto)

TRAJECTÓRiA

Fernando Bento, As Aventuras de Uma Vida
Chamava-se Fernando Bento e foi um dos mais notáveis autores portugueses de banda desenhada, no tempo em que esta ainda era (apenas) histórias aos quadradinhos. Em Fevereiro último fez dez anos que nos foi servido um dos últimos tesouros coloridos por Fernando Bento. Foi nas páginas da revista Selecções BD (II série) e era uma vinheta do seu (inacabado) Regresso à Ilha do Tesouro, uma sequela do clássico de Stevenson, que o mestre português dos quadradinhos adaptou com argumento de Jorge Magalhães. Nele, o jovem Jim Hawkins, enquanto desce por uma amarra de um barco encalhado, afirma: «A aventura correu melhor do que eu esperava!» O mesmo se pode dizer, sem dúvida, da vida e obra de Fernando Carvalho Trindade Bento, nascido em Lisboa a 26 de Outubro de 1910.
Com os seus heróis fez A Volta ao Mundo em 80 Dias, levando muitos leitores ao longo de várias gerações a dar consigo A Volta a Portugal em Bicicleta, conhecer Histórias da Nossa História, partilhar uma Viagem ao Centro da Terra, percorrer Vinte Mil Léguas Submarinas, subir A Montanha do Fim do Mundo ou avançar pelo espaço Da Terra à Lua, em companhia de Um Herói de 15 Anos, 34 Macacos e Eu, Beau Geste, Matias Sandorf ou Quintino Durward, até à Ilha do Tesoiro, tudo em Mil e Uma Noites maravilhosas e mágicas.
Vividas, sentidas, sofridas em constantes sobressaltos, sem sair de casa, descobertas nas fantásticas, vibrantes e envolventes páginas aos quadradinhos que delineou com um traço elegante, único e personalizado, vivo, ágil e dinâmico, se bem que fosse (ou porque era) autodidacta, apenas com um curso de desenho por correspondência, obtido na escola parisiense ABC.
Na sua formação «prática», no entanto, encontram-se também longos períodos nos movimentados bastidores teatrais do Coliseu dos Recreios, local de trabalho do pai, onde, quem sabe, foi beber o sentido dos diálogos, a noção de movimento, a agilidade na composição das pranchas, a técnica de picado e contrapicado, o ritmo narrativo, a legibilidade e a eficácia da narrativa sequencial que viriam a distingui-lo como um caso único na nona arte nacional.
No entanto, nada parecia dirigi-lo para a BD, pois foi no mundo do teatro, na concepção de figurinos e cenários (muito elogiados) para A Última Maravilha e O Fim do Mundo que se fez notado, tinha apenas 25 anos. E só três anos depois surgiriam os primeiros quadradinhos, na secção infantil do jornal República.
Estava longe de saber, certamente, mas muitas seriam as revistas que se lhe seguiriam - Pim-Pam-Pum!, Diabrete, Cavaleiro Andante, foram as mais significativas - onde, a par da BD, espraiou também a sua arte por capas, ilustrações, caricaturas e desenhos humorísticos, como maquetista e director gráfico… Tudo feito em serões e tempos livres pois, «profissionalmente», foi sempre funcionário de escritório da BP.
A sua bibliografia - em que muitas vezes teve ao lado argumentistas como Helena Neves, Maria Amélia Bárcia ou Adolfo Simões Müller - é feita especialmente da adaptação de episódios da história pátria e de clássicos infantis, da literatura ou de aventuras (especialmente Júlio Verne, mas também Robert Louis Stevenson, Herman Melville, Enid Blyton…), que soube recriar como poucos, em verdadeiras versões em quadradinhos, que patenteavam o espírito e todas as qualidades dos originais no novo suporte e que faziam igualmente sonhar. Foram cerca de três décadas de redobrado labor, até aos anos 1970, vividos mais longe das páginas desenhadas, às quais só regressaria de forma pontual.
Até ao tal Regresso à Ilha do Tesoiro, corria a década de 1990 e tinha Fernando Bento ultrapassado já a barreira dos 80 anos, em que (re)encontrou energia e mestria para, num traço com todas as qualidades que lhe eram conhecidas mas renovado na forma, de uma surpreendente modernidade, voltar a fazer vibrar todos os que leram as novas pranchas de reencontro com Jim Hawkins, Ben Gunn ou o pirata Long John Silver!
A morte - invejosa da sua arte? - levá-lo-ia a 14 de Fevereiro de 1996, pondo um ponto final nas suas aventuras, impedindo-o de terminar esta obra e de ver impressos os seus últimos desenhos.
F. Cleto e Pina
- 30OUT2010 - NS - Diário de Notícias / Jornal de Notícias

PARLATÓRiO

¨Em minha opinião, a ficção científica é inspiradora, e aponta em direcções muito interessantes. Isto é, orienta-nos para dimensões eventuais. Graças à nossa imaginação, podemos tentar outras oportunidades, tomar opções distintas. Por tendência, ficamos presos a escolhas limitadas. Pensamos: «Bom, a única possibilidade é...» ou «Se, pelo menos...» Algo que se siga a tais suposições elimina, de imediato, quaisquer alternativas. Torna tão básica a nossa perspectiva, que não conseguimos ver para além do que sucede à nossa volta. O ser humano tem tendência a não olhar para mais longe. Actualmente, porém, sentimo-nos impelidos a ampliar o nosso raio de visão, a reparar em tudo o que infligimos ao mundo que nos rodeia. Então, em meu entender, a ficção científica pode tornar-se significativa, e relevante. Não me parece que, apenas, escrever um livro como Admirável Mundo Novo, ou como 1984, evite que as coisas ali tratadas acabem por ocorrer. Mas considero que esses testemunhos, especulativos, tornam menos provável que assim aconteça. Em suma, ganhamos consciência de que, porventura, se está a correr o risco de que possam tornar-se realidade.
Frank Herbert

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